A avaliação de empresas familiares ou de capital fechado tende a ser um processo complexo e cheio de nuances em situações normais, exigindo a consideração de uma série de questões importantes.

Quando estamos em um ambiente de disputa judicial então, este exercício torna-se ainda mais complexo, e identificar e compreender estas questões-chave permite examinar de forma crítica o processo como um todo e mapear alguns pontos de atenção sobre a avaliação em questão.

7 questões para avaliação de uma empresa familiar em disputa

Estabelecer uma data base específica para a avaliação é um requisito fundamental de valuation, especialmente em disputas e em processos de dissolução societária. Os avaliadores geralmente fornecem uma avaliação na data base de referência da disputa ou decisão judicial, não levando, portanto, em consideração fatos posteriores aquela data, sejam eles favoráveis ou não para a companhia objeto.

É sempre relevante o estabelecimento claro entre as partes envolvidas de qual será a data base da avaliação e, também, que não serão considerados dados e informações futuras não previstas a época da data base tais quais novas linhas de negócio, flutuações macroeconômicas relevantes ou disrupções tecnológicas.

Antes de dar início ao processo de valuation em uma situação de disputa ou litígio, é essencial a leitura do Contrato Social da companhia objeto para garantir e confirmar se este documento define de forma explícita a metodologia a ser utilizada, abordagem ou premissas.

Em alguns casos, é previsto por exemplo no Contrato Social que o valor de compra de participação de sócio retirante ou valuation da companhia em situação de disputa será realizado pela ótica do patrimônio líquido contábil ou então, pela aplicação de determinado múltiplo sobre a receita do último ano fiscal.

Na ausência de premissas descritas no Contrato Social, a apuração dos haveres do sócio dissidente deverá ser com base na situação patrimonial da sociedade à data de saída, verificada em balanço especialmente levantado, conforme artigo 1.031 da Lei n°10.406/22 que institui o Código Civil 

A leitura atenta destes documentos, bem como as decisões judiciais / arbitrais, podem garantir uma avaliação objetiva e eficaz.

Quando a metodologia definida para valuation for a de fluxo de caixa descontado, alguns cuidados são necessários. De forma a expurgar critérios demasiadamente subjetivos da avaliação, é comum que em avaliações elaboradas para fins de disputas sejam pautadas exclusivamente em dados históricos. Apesar de parecer uma abordagem conservadora, esta requer alguns cuidados como por exemplo:

  • Ao utilizar médias históricas como taxas de crescimento, e índices de rentabilidade, é necessário também avaliar eventuais tendências nítidas, como de perda de aceleração do crescimento, quanto ganho ou perda de rentabilidade ao longo dos últimos anos, de forma a não gerar distorções nas projeções
  • Alinhado ao ponto acima, quando utilizamos majoritariamente dados históricos, é necessário conferir o correto tratamento e itens futuros que sejam de conhecimento da companhia ou do mercado, tais quais contratos relevantes com prazo determinado, término de concessões, ciclos de vida útil econômica (como frotas, turbinas etc.)
  • Taxa de desconto: cuidado para manter a coerência entre modelo real e nominal e manter o formato para a taxa de desconto. Atentar também para a coerência dos inputs com a data base, indústria, país de atuação e tamanho da companhia
  • Perpetuidade: aqui, em linha com o que mencionamos acima, cuidar para manter a coerência entre modelo real ou nominal, e a respectiva taxa aplicada. Muito relevante também, atentar para tratar de forma adequada ajustes necessários na perpetuidade, tais quais término de benefícios ou isenções fiscais, estabilização de crescimento e margens operacionais ou ciclos econômicos.

A abordagem de múltiplos operacionais, como EBITDA (ou LAJIDA em português – Lucro Antes de Juros, Impostos, Depreciação e Amortização), receita ou lucro líquido é comumente aplicada em avaliações de empresas privadas, particularmente quando não existe um orçamento ou plano de negócios definido para a companhia objeto. Isto, todavia, faz com que a avaliação dependa e recaia em um único indicador financeiro para refletir os benefícios econômicos de uma empresa que tendem a ser mantidos no longo prazo, apesar das flutuações dos ciclos econômicos.

Apesar desta abordagem simplificar o processo de avaliação, o uso de indicador único no ponto no tempo traz também fragilidade para esta abordagem. 

Em um cenário por exemplo de vendas, custos e lucros flutuantes, ou em crescimento, um único valor no tempo pode não representar adequadamente os lucros a longo prazo. De forma análoga, pode ser necessário expurgar benefícios fiscais com vida útil determinada, ou então circunstâncias pontuais que tenham sido observadas na companhia.

A revisão cuidadosa do racional (tanto quantitativo como qualitativo) que conduz a definição da base EBITDA é, portanto, crítica. Os usuários e leitores de laudos de avaliação devem lembrar-se que a avaliação por múltiplos não é um simples exercício de cálculo, mas sim requer uma vasta gama de considerações.

Destacamos ainda que, em cenários de avaliação de empresas familiares, podem ser necessários ajustes na contabilidade, tais como consolidação de companhias, receitas e custos não contabilizados, dentre outros.

Ao considerar múltiplos de avaliação derivados de negociações ou transações, é crucial questionar a sua comparabilidade e relevância para as circunstâncias específicas do negócio que está a ser avaliado. Os avaliadores enfrentam o desafio de determinar objetivamente os múltiplos apropriados, indo assim além das opiniões subjetivas, mas sim sempre buscar pautar-se em evidências concretas. No entanto, existem muitas questões que tornam os múltiplos de mercado e de transações pontos de referência inadequados para as empresas de capital fechado ou familiares.

Dentre os principais pontos de atenção que devem ser levados em conta na definição de uma amostra de múltiplos são (i) setor e ramo de atuação, (ii) identificar eventuais flutuações relevantes na data escolhida no valor em bolsa, (iii) divulgações adicionais fornecidas pelas companhias em suas demonstrações financeiras de ajustes não recorrentes, que possam impactar o EBITDA ou métrica analisada. 

As premissas, limitações e metodologias devem estar descritas de forma clara em um relatório de valuation, uma vez que tais informações têm impacto direto no resultado da avaliação e na capacidade do leitor em entender o mesmo.

Nesse sentido, a transparência é crucial, especialmente no que diz respeito ao impacto das premissas e as sensibilidades e testes realizados nas principais premissas. É essencial que os usuários de um relatório de valuation compreendam como as premissas afetam a avaliação como um todo e, também principalmente, que consigam com base nas informações constantes no relatório, ter uma compreensão completa e reperformar os cálculos realizados.

Valuation é uma questão que requer julgamento significativo e análise rigorosa. A apresentação de um parecer como um intervalo de valores, embora comum em avaliações do tipo “transação”, pode causar um obstáculo adicional à resolução de disputas, especialmente se o intervalo for demasiado amplo. Sendo assim, tal prática deve ser evitada em contexto de disputas.

Quando o Avaliador fornecer uma ampla gama de valores, deverá ser solicitado esclarecimento se alguma informação adicional lhe permitiria estreitar este intervalo ou, idealmente, determinar o valor mais apropriado.

Estas sete questões destacam a complexidade e as nuances envolvidas nas avaliações controversas.

Uma abordagem granular à avaliação de lucros, uma vontade de aceitar uma gama de valores e uma compreensão profunda das circunstâncias específicas do negócio que está a ser avaliado são cruciais para a determinação de uma avaliação precisa