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Nômades digitais - os desafios tributários da mobilidade global

Mulher com teclado na mão
A mobilidade dos profissionais e os contratos de trabalho internacionais dos chamados "nômades digitais" se tornaram ferramentas consagradas na atração e incentivo de talentos, além de uma maneira das empresas permanecerem competitivas nos seus setores.
Destaques

Atualmente, os profissionais demonstram que, se os empregadores não conseguirem oferecer as oportunidades de desenvolvimento de carreira e as escolhas de estilo de vida que desejam — desde flexibilidade no horário de trabalho, jornada híbrida, até a capacidade de trabalhar no exterior, por exemplo — estão dispostos a procurá-los em outro lugar.

Ao mesmo tempo, tem havido uma mudança na forma como muitas empresas contratam talentos, demonstrado um aumento considerável na contratação de prestadores de serviços ou contratos de curto prazo. Algumas empresas criaram, mantiveram ou passaram a operar de forma totalmente remota, sem escritórios físicos. Outras incentivam o trabalho remoto, com o espaço de escritório sendo reduzido ou o espaço físico limitado à medida que a empresa cresce.

Diversificação de talentos

De uma perspectiva operacional, as parcerias com empresas recrutadoras ou de compartilhamento profissional (PEO/EOR, das siglas em inglês) também aumentaram em popularidade, à medida que um mercado de trabalho em expansão traz um número significativo de novos participantes, juntamente com fornecedores estabelecidos.

Esses fornecedores permitem que as empresas contratem funcionários em países onde não têm presença legal, com o EOR/PEO assumindo os requisitos de conformidade e folha de pagamento e emprestando efetivamente o funcionário à empresa contratante.

Do ponto de vista do talento, a popularidade do conceito de trabalho remoto e híbrido aumentou significativamente, passando a ser uma necessidade em muitas empresas e, como consequência, alterou o equilíbrio de poder dos funcionários. Desde funcionários altamente qualificados, em cargos seniores, até funções que exigem menos ou nenhum trabalho presencial, alguns funcionários têm conseguido negociar contratos de trabalho remoto de longo prazo e até influenciar a política da empresa.

Isto requer a contribuição dos departamentos fiscais e financeiros para equilibrar os riscos e a conformidade, enquanto os requisitos de RH e de talento necessitam de uma abordagem que permita a mobilidade em vez de inibir a movimentação dos funcionários.

Benefícios aos países e empregadores

Nos últimos anos, a introdução de uma categoria de “vistos de nômades digitais” apresentou crescimento, permitindo aos profissionais atuarem num país sem necessidade de um contrato de trabalho local, do patrocínio de imigração de um empregador ou das despesas pessoais que os vistos de investimento podem exigir.

Um artigo da Harvard Business Review descreve o nomadismo digital como “um estilo de vida em que se aproveita o trabalho remoto para viajar e viver em locais variados e, muitas vezes, acessíveis em todo o mundo”. E existe uma tendência de aumento no interesse dos empregadores referentes aos vistos de nômades digitais, em parte devido ao aumento do número de países que oferecem esse tipo de visto desde o fim da pandemia e à capacidade de permitir a mobilidade com relativa facilidade.

Estes incentivos também criam riscos, uma vez que uma pesquisa recente da Grant Thornton US mostrou que 49% dos participantes identificaram o trabalho remoto como o principal aspecto de risco fiscal de mobilidade a gerir. Embora o incentivo ao nomadismo digital possa parecer atraente como forma de incentivar os talentos e permitir uma maior mobilidade, as empresas devem estar cientes dos potenciais riscos fiscais de tais programas de vistos.

Uma percepção errada generalizada destes dessa situação é que existe uma exposição limitada ao imposto de renda e às obrigações de cumprimento fiscal ao nível do contribuinte individual, juntamente com responsabilidades correspondentemente limitadas do empregador, como impostos sobre os salários e o emprego, e uma exposição fiscal e obrigações de cumprimento fiscalmente limitadas ou corporativas.

Poucos países, no entanto, oferecem incentivos fiscais específicos para empregados ou empregadores. Uma análise da Grant Thornton de 21 países concluiu que 79% dos vistos de nômades digitais não têm isenção de impostos individuais, enquanto 85% não têm isenção de riscos fiscais corporativos.

Benefícios aos países

  • Atração de talentos, diversificação e atualização da força de trabalho; 
  • Crescimento e a qualificação em determinados setores;
  • Benefícios econômicos – turismo, impostos, economia local;

Benefícios aos empregadores

  • Remove o risco de conformidade de imigração 
  • Oferece oportunidades de mobilidade onde não há necessidade de realocação ou atribuição de negócios 
  • Expande uma política de trabalho remoto existente para mais países 
  • Estende os prazos de trabalho remoto além das tendências do mercado em até 30 dias 
  • Cumpre a promessa de “trabalhar em qualquer lugar”

O nômade digital no Brasil

O Brasil, muito atento a essa evolução no mundo corporativo, implementou a Resolução Normativa nº 45, de 9 de setembro de 2021, e a Portaria nº 428, de 15 de dezembro de 2022, que facilitam a concessão de visto temporário e autorização de residência para nômades digitais – antes desconhecidos no âmbito imigratório do país.

A concessão do visto e da autorização de residência para nômades digitais oferece a oportunidade de residir no Brasil enquanto continua a trabalhar remotamente para um empregador estrangeiro. 

Apesar da facilidade no processo de requisição desse visto temporário, sendo exigido, em suma: declaração atestando a capacidade de executar suas atividades profissionais de forma remota; contrato de trabalho ou prestação de serviços com empregador estrangeiro e comprovação de meios de subsistência no país, com renda mensal mínima de US$ 1.500 ou fundos bancários de no mínimo US$ 18.000. Assim como a maioria dos países presentes na análise da Grant Thornton, o Brasil não oferece isenção de impostos individuais e a presença do nômade digital poderá implicar a sua empresa em obrigações fiscais no Brasil.

Apesar de haver formas de suavizar o risco tributário e trabalhista, nômades digitais precisam estar atentos ao período passado no país, o tipo do trabalho desenvolvido e até o local de trabalho, pois é impossível afastar a 100% o risco de aquisição de residência fiscal (possível risco para a pessoa física) e classificação de estabelecimento permanente da empresa no Brasil (possível risco para a pessoa jurídica).

A realidade do risco tributário

Sem benefícios fiscais específicos a programa de visto de nômades digitais, aos tratados de dupla tributação e os acordos previdenciários internacionais, as empresas devem basear-se nas leis fiscais do país em que o profissional está desenvolvendo o seu trabalho para determinar a potencial exposição fiscal.

Nesta circunstância, pode-se considerar que existe uma presença tributável corporativa, resultando potencialmente em impostos e obrigações corporativas e de outras entidades, incluindo:

  • Registro corporativo junto ao fisco; 
  • Apresentação de obrigações fiscais corporativas; 
  • Atribuição de lucros e considerações sobre preços de transferência; 
  • Responsabilidade com imposto de renda da pessoa jurídica; 
  • Responsabilidade com impostos indiretos; 
  • Potencial escrutínio da atividade pela autoridade fiscal; 

Ademais, possíveis riscos e obrigações do empregador podem vir à tona, exigindo que uma empresa cumpra os regulamentos locais e a potencial exposição a impostos do empregador e outros riscos fiscais, onde: 

  • Uma empresa tem uma entidade local e, portanto, opera a folha de pagamento para relatar o rendimento tributável de um funcionário, calcular e remeter impostos;
  • Não existe uma entidade local e uma empresa, potencialmente, deve registrar-se junto às autoridades locais e operar uma folha de pagamento local para relatar e remeter impostos;
  • Se for necessária a operação da folha de pagamento e não ocorrer retenção e remessa de impostos, o saldo integral do imposto não pago poderá recair sobre a empresa. Penalidades e juros poderão ser avaliados ainda mais se houver descumprimento das obrigações do empregador local;
  • Uma empresa pode ser responsável por fornecer benefícios legais aos funcionários, com alguns países permitindo que os funcionários entrem em litígio para reivindicar benefícios não recebidos. 

Para as empresas que exploram a utilização de programas de vistos de nômades digitais como uma oportunidade para expandir os contratos de trabalho remoto para os funcionários, é necessária uma análise cuidadosa para garantir que as implicações fiscais sejam totalmente compreendidas e que a empresa não assuma exposição financeira indesejada.