INSIGHTS

Principais desafios do Mercado de Investimentos Ilíquidos e Valor Justo de FIPs

Rodrigo Nigri
Por:
insight featured image
Nos últimos anos, o mercado de Fundos de Investimentos em Participações (FIPs) tem passado por uma série de transformações e desafios significativos.

De acordo com dados fornecidos pela Moody's, o mercado brasileiro de Private Equity passou por uma notável flutuação, com 29 gestores controlando um volume de R$17,4 bilhões em ativos. No entanto, esse número já foi de 54 gestores e um total de R$26,9 bilhões em 2016. A redução é atribuída a uma série de fatores, incluindo a elevação das taxas de juros, um ambiente econômico incerto e uma mudança no apetite por risco entre os investidores de grande porte no Brasil.  

Em resumo, a criação de um FIP envolve a agregação do patrimônio de diversos investidores com o objetivo de realizar investimentos impactantes e estratégicos. Isso torna o registro contábil desses investimentos distinto daquele utilizado para empresas limitadas ou anônimas, onde o registro ocorre na aquisição e pode estar sujeito a impairment posteriormente. Nos FIPs, a intenção é adquirir participação em uma sociedade, com uma data estimada de liquidação e índices de retorno claramente definidos no momento do investimento, o que requer um registro contábil específico e cuidadoso. 

Algumas das principais vantagens são a possibilidade de reunir diversos investidores para viabilizar investimentos mais significativos em empresas que não seriam acessíveis individualmente e a governança e gestão profissional, uma vez que a formação de um fundo normalmente começa com a construção de uma equipe experiente, proporcionando crescimento acelerado através de várias estratégias. 

A ICVM 578 e 579 abordam a avaliação:

“Art. 18. VI – c) se a avaliação do valor justo das investidas foi realizada pelo gestor ou por avaliador independente, caso em que deve divulgar sua identificação, qualificação profissional, experiência na avaliação do ativo em questão e a data do laudo de avaliação utilizado.” 

Portanto, a CVM determina que o saldo contábil deve refletir, a cada relatório, o valor justo do investimento realizado, visando fornecer aos investidores o conhecimento do valor de suas cotas.

Lembrando que, no momento da criação do Fundo, os acionistas compreendem a tese e a equipe, e ao longo do período, têm acesso a, basicamente, as demonstrações contábeis, com o objetivo de maior transparência em relação ao valor justo de seus investimentos, assemelhando-se a uma marcação MtM (de mercado) de ativos financeiros. 

Como é possível observar pela redação, um dos critérios para a elegibilidade do avaliador é ser gestor ou avaliador independente, com a necessidade de divulgar a qualificação profissional e a experiência em avaliar ativos similares. 

De acordo com o Art. 3º da ICVM 579, a CVM se preocupou em oferecer orientações simplificadas sobre fatores importantes que devem ser considerados na avaliação, traduzidos de forma alternativa:  

  • Adaptação a eventos novos: O avaliador deve considerar o mercado em que a empresa opera e analisar os efeitos de eventos adversos, como mudanças regulatórias, tributárias e na cadeia de suprimentos, avaliando o impacto de cada um desses fatores na avaliação do valor justo;
  • Metodologia, padronização e aceitação: O responsável deve garantir que a metodologia definida seja fundamentada tecnicamente e mantida constante nas avaliações, para assegurar que as demonstrações financeiras reflitam as mesmas práticas ao longo do tempo;
  • Condições de Mercado: O avaliador deve garantir que a situação do mercado seja refletida na avaliação, enfatizando que as marcações são realizadas regularmente e que cada uma deve refletir a visão de mercado na data em questão, não as expectativas de longo prazo.

Outro ponto crucial é ressaltar a diferença entre valor justo, definido pela norma do CPC 46 – Mensuração do Valor Justo, e o "valor para o investidor". Este último reflete as premissas do investidor para o investimento, sem considerar informações de mercado e dados observáveis, baseando-se exclusivamente nas premissas da administração que fundamentam a tese de investimento. 

Sanity Checks

Os testes de coerência ou seu termo em inglês mais comumente utilizado no mercado sanity check, visam obter a validação com evidências de mercado do resultado encontrado na avaliação por determinada metodologia, como o fluxo de caixa descontado. 

A metodologia de avaliação mais comumente utilizada para definição do valor justo é a de fluxo de caixa desconto, por indicar a capacidade prevista de geração de caixa de companhias operacionais e por se pautar em parâmetros operacionais específicos da companhia. Todavia, ao se projetar um fluxo de caixa, são utilizadas diversas premissas (como taxas de crescimento e ganho de margem por exemplo) que, apesar de refletirem a melhor estimativa do avaliador com base na tese de investimento e em informações observáveis, não são garantidas  

O teste de sanidade, nesse contexto, busca validar que o valor encontrado está dentro de um intervalo razoável, normalmente via aplicação de outra metodologia como a de múltiplos. Tal teste de sanidade busca indicar se houve algum viés do avaliador em ser conservador ou agressivo em relação as premissas. 

Outra forma muito comum é verificar o teste do orçado no ano anterior vs resultados realizados da própria companhia ou também utilizar múltiplos de transações ou aportes da própria companhia em rodadas de captação/investimento. 

FIPs com investimento em start-ups

Outro ponto de discussão recorrente que tange o universo dos FIP’s refere-se a investimentos em start ups. Tal universo de companhia é um assunto em voga nos últimos anos, seja pelos casos de sucesso, como Tesla, Uber, Gympass, Rappy e Ifood, seja pelos casos não tão bem sucedidos, como Theranos, Segway e Cabify no Brasil. 

No processo de fundação, crescimento e captação de recursos destas companhias, estas são muitas vezes investidas de FIP's, criando assim grandes desafios para suas avaliações a valor justo. Podemos destacar, dentre os itens de complexidade, (i) a necessidade de caixa significativo nos primeiros anos, devido a queima de recursos no período de maturação, (ii) a grande incerteza para projeção de resultado devido aos modelos de negócio não comprovados ou  (iii) ausência de histórico ou benchmark para suporte. 

Diante da normativa ICVM 579, temos algumas orientações específicas sobre as avaliações, que nos chamam a atenção quando aplicáveis ao universo das start ups, especialmente os parágrafos 3º e 4º, conforme reproduzidos abaixo (grifos nossos): 

  • 3º A mensuração do valor justo dos investimentos deve ser estabelecida em bases consistentes e passíveis de verificação.
  • 4º Nos casos em que o administrador concluir que o valor justo de uma entidade não seja mensurável de maneira confiável, o valor de custo pode ser utilizado até que seja praticável a mensuração do valor justo em bases confiáveis, devendo o administrador divulgar, em nota explicativa, os motivos que o levaram a concluir que o valor justo não é mensurável de maneira confiável, apresentando conjuntamente um resumo das demonstrações contábeis condensadas dessas investidas.

Neste contexto, quando a companhia objeto está ainda no estágio pré-operacional, dentre as abordagens de avaliação existentes a avaliação pelo custo histórico pode ser a mais indicada, tendo em vista que não é possível mensurar de forma confiável suas projeções financeiras ou, tampouco, seu histórico de resultados. Todavia, mesmo a aplicação do custo histórico possui alguns pontos de atenção. 

Dessa forma, abordamos os principais termos e desafios enfrentados durante a elaboração de uma avaliação independente para a marcação de cotas. É extremamente importante assegurar que o avaliador ou a empresa de avaliação possua experiência no assunto, de modo a minimizar possíveis questionamentos ou inconsistências.

CTA solicite uma proposta